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Usucapião entre herdeiros: É possível?

Dentre os bens imóveis que podem ser objetos de usucapião, estão aqueles que compõem a herança. Todavia, não há consenso na doutrina e na jurisprudência quanto à possibilidade de um herdeiro usucapir bem imóvel transmitido por herança.

Princípio da saisine e o condomínio pro indiviso

Nas palavras dos doutrinadores Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim: “quando uma pessoa falece deixando bens, opera-se a sucessão, pela transmissão da herança ao herdeiro, que, assim, sucede ao morto nos direitos e obrigações relacionadas ao seu patrimônio.” (Inventário e Partilha. Teoria e Prática. Editora Saraiva, 27ª edição)

Essa imediata transferência do patrimônio aos herdeiros, por força dos artigos 1.784 e 1.791 do Código Civil, cria um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário. Isto é, pela adoção do princípio de saisine todos os herdeiros tornam-se coproprietários do todo unitário chamado herança e somente após a partilha que será estabelecida a copropriedade sobre as frações ideais dos bens que não puderam ser imediatamente divididos.

Como os Tribunais entendem

Os Tribunais veem entendendo que enquanto existir o espólio, subsiste a composse entre os herdeiros, não podendo presumir que a posse exclusiva de um dos herdeiros sobre o imóvel exclui o direito dos demais.

Nesse sentido, a doutrina de Nelson Nery Júnior, Código Civil Comentado, 11ª edição, 2013, traz considerações sobre a natureza indivisível da herança “todos têm tudo da herança, de modo que nenhum deles pode exercer atos possessórios que excluam direitos dos demais”.

Em outras palavras, o herdeiro que residente no imóvel tem a chamada posse precária, presumindo-se que os demais herdeiros apenas lhe deram uma permissão precária de ocupação, sendo que esta pode ser revogada a qualquer momento.

Em 1º grau de jurisdição, no julgamento do atual REsp 1.631.859-SP, o magistrado reconheceu a impossibilidade de usucapião do imóvel, sob o argumento de que:

“ainda que a autora afirme e comprove que é possuidora do bem de forma exclusiva, tal fato não permite que ela adquira a propriedade dele individualmente, porque o uso de áreas comuns por um ou algum dos condôminos deve ser considerado como mero ato de tolerância dos demais; atos de tolerância não induzem posse, mas mera detenção, que é uma posse desprovida de qualificação jurídica. A tolerância é uma aceitação tácita do uso e não significa inércia por parte dos demais condôminos e legítimos possuidores” (TJSP — Sentença Cível — 0019625–91.2011.8.26.0565 — Juiz: Dra. Daniela Anholeto Valbão, Comarca de São Caetano do Sul, julgamento em 20.01.2013) [grifo nosso]

Ainda, há posicionamento na jurisprudência sobre o prazo para a aquisição da posse. Neste caso, o termo inicial da posse começa a correr somente com a finalização da partilha e a divisão do patrimônio:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. BEM OBJETO DE PARTILHA. COMUNHÃO DE DIREITOS. ART. 1.721PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL. A posse ad usucapionem deve ser cabalmente demonstrada em todos os seus requisitos: exercício manso, pacífico, ininterrupto, com ânimo de dono para autorizar a declaração do domínio. Não se pode desconsiderar que a herança, pela adoção do princípio de saisine, transmite-se aos herdeiros no momento do óbito, todavia, essa herança é considerada indivisa até a sua partilha, por força do artigo 1.791 do Código Civil. Somente após a partilha começa a correr qualquer prazo para aquisição da posse pelo requerente, posto que, como já dito, a herança defere-se como um todo unitário e, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e posse da herança é indivisível. A posse exercida por todo o tempo pelo apelante, se deu por mera tolerância dos demais coerdeiros, inexistindo, pois, o ânimo de dono e se, partilha se deu em 2013, ainda não transcorreu o lapso de tempo necessário à aquisição da posse por usucapião (TJMG — Apelação Cível 1.0472.13.001703–2/001, Relator (a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini, 14ª Câmara Cível, julgamento em 22.02.18, publicação da sumula em 02.03.18) [grifo nosso]

Como o Superior Tribunal de Justiça — STJ entende

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, possui jurisprudência no sentido de que é possível o condômino usucapir, em nome próprio, desde que atendidos os requisitos legais da usucapião e que tenha sido exercida a posse exclusiva pelo herdeiro/condômino como se dono fosse (animus domini):

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, DO CPC/2015POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA DO IMÓVEL. REQUISITOS CUMPRIDOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 E 83/STJ. 1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente fundamentada e sem omissões, obscuridades ou contradições, deve ser afastada a alegada ofensa ao artigo 1.022 do CPC/15. 2. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ). 3. A Súmula 83/STJ inviabiliza o recurso especial interposto por ambas as alíneas do art. 105IIIa, da Constituição Federal, quando o acórdão recorrido decide em consonância com a jurisprudência do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no Agravo em Recurso Especial 1.527.409 — RN (2019/0183477–8), 4ª Turma, DJe 20.02.2020) [grifo nosso]

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. IMÓVEL EM CONDOMÍNIO. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse exclusiva com animus domini e sejam atendidos os requisitos legais do usucapião. 2. Agravo regimental provido (AgRg no AREsp 22.114/GO, 3ª Turma, DJe 11/11/2013). [grifo nosso]

USUCAPIÃO. CONDOMÍNIO. PODE O CONDOMINO USUCAPIR, DESDE QUE EXERÇA POSSE PROPRIA SOBRE O IMOVEL, POSSE EXCLUSIVA. CASO, PORÉM, EM QUE O CONDOMINO EXERCIA A POSSE EM NOME DOS DEMAIS CONDOMINOS. IMPROCEDENCIA DA AÇÃO (COD. CIVIL, ARTS. 487 E 640). 2. ESPÉCIE EM QUE NÃO SE APLICA O ART. 1.772, PARÁGRAFO 2. DO COD. CIVIL. 3. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO (REsp 10.978/RJ, 3ª Turma, DJe 09/08/1993). [grifo nosso]

Nesse sentido, a Ministra Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.631.859-SP, em 22.05.2018, reconheceu a possibilidade da usucapião do imóvel, objeto de herança, em favor de uma herdeira, desde que ficasse comprovado não estar na posse do imóvel por mero ato de tolerância do outro herdeiro:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. HERDEIRA. IMÓVEL OBJETO DE HERANÇA. POSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO POR CONDÔMINO SE HOUVER POSSE EXCLUSIVA. 1. Ação ajuizada 16/12/2011. Recurso especial concluso ao gabinete em 26/08/2016. Julgamento: CPC/73. 2. O propósito recursal é definir acerca da possibilidade de usucapião de imóvel objeto de herança, ocupado exclusivamente por um dos herdeiros. 3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 4. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC/02). 5. A partir dessa transmissão, cria-se um condomínio pro indiviso sobre o acervo hereditário, regendo-se o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, pelas normas relativas ao condomínio, como mesmo disposto no art. 1.791parágrafo único, do CC/02. 6. O condômino tem legitimidade para usucapir em nome próprio, desde que exerça a posse por si mesmo, ou seja, desde que comprovados os requisitos legais atinentes à usucapião, bem como tenha sido exercida posse exclusiva com efetivo animus domini pelo prazo determinado em lei, sem qualquer oposição dos demais proprietários. 7. Sob essa ótica, tem-se, assim, que é possível à recorrente pleitear a declaração da prescrição aquisitiva em desfavor de seu irmão — o outro herdeiro/condômino –, desde que, obviamente, observados os requisitos para a configuração da usucapião extraordinária, previstos no art. 1.238 do CC/02, quais sejam, lapso temporal de 15 (quinze) anos cumulado com a posse exclusiva, ininterrupta e sem oposição do bem. 8. A presente ação de usucapião ajuizada pela recorrente não deveria ter sido extinta, sem resolução do mérito, devendo os autos retornar à origem a fim de que a esta seja conferida a necessária dilação probatória para a comprovação da exclusividade de sua posse, bem como dos demais requisitos da usucapião extraordinária. 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. (STJ — Resp 1.631.859-SP, 3ª Turma, DJe 22.05.2018)

Caso tenha ficado alguma dúvida ou queira continuar conversando comigo sobre esse assunto, não deixe de me mandar um e-mail: draanacarolinabiasi@gmail.com ou contatar por meio do perfil do Instagram Ana Carolina Biasi

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