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Alienação de patrimônio comum do casal sem a partilha de bens: é possível?

É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha.

Atualmente coexistem duas correntes que definem o estado dos bens do casal, a saber:

Corrente do condomínio

Essa corrente doutrinária sustenta que a separação judicial põe termo ao regime de bens, transformando a comunhão até então existente em condomínio.

Logo, os proprietários e ex-cônjuges passam a poder alienar o patrimônio comum a terceiros, sem necessidade de exibição de formal de partilha para exame e eventual partilha ou atribuição a eventual prole.

E para a implementação e posterior reconhecimento desse estado de condomínio, o Cartório de Registro de Imóveis deverá:

(i) Exigir documento hábil que comprove a alteração do estado civil

(ii) Averbar a alteração do estado civil na matrícula do imóvel, para fins de não violação ao princípio da continuidade registral, em conformidade com o art. 167, II, n. 5c.c. o parágrafo único do art. 246 da Lei 6.015/73.

Esse entendimento é inclusive defendido pelas Normas de Serviço da Corregedoria da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na nota lançada ao subitem 14, alínea b, do item 9, do Capítulo XX:

“9. No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

b) a averbação de: (…)

14. escrituras públicas de separação, divórcio e dissolução de união estável, das sentenças de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento, quando nas respectivas partilhas existirem imóveis ou direitos reais sujeitos a registro;

NOTA: A escritura pública de separação, divórcio e dissolução de união estável, a sentença de separação judicial, divórcio, nulidade ou anulação de casamento será objeto de averbação, quando não decidir sobre a partilha de bens dos cônjuges, ou apenas afirmar permanecerem estes, em sua totalidade, em comunhão, atentando se, neste caso, para a mudança de seu caráter jurídico, com a dissolução da sociedade conjugal e surgimento do condomínio ‘pro indiviso”. (grifei)

Em suma, na medida em que os ex-cônjuges são considerados condôminos, admite-se a alienação do patrimônio comum entre eles e inclusive a alienação, em conjunto, dessa propriedade a terceiros

E em outra hipótese, o patrimônio comum poderá ser alienado individualmente por um dos ex-cônjuges caso a decisão que reconhece a separação do casal já estabelecer um quinhão a cada um dos cônjuges.

Nesse sentido, seguem as considerações de Dimas Messias de Carvalho (in Direito de Família, 2ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 211/212) ao distinguir o estado de mancomunhão do estado de condomínio:

“Os bens não partilhados após a separação ou divórcio, pertencem ao casal, semelhante ao que ocorre com a herança, entretanto, nenhum deles pode alienar ou gravar seus direitos na comunhão antes da partilha, sendo ineficaz a cessão, posto que o direito à propriedade e posse é indivisível, ficando os bens numa situação que a doutrina denomina de estado de mancomunhão. Não raras vezes, entretanto, quando os bens estão identificados na ação de separação ou divórcio, são partilhados na fração ideal de 50% (cinquenta por cento) para cada um, em razão da meação, importa em estado de condomínio entre o casal e não mais estado de mancomunhão. Tratando-se de condomínio, pode qualquer um dos cônjuges alienar ou gravar seus direitosobservando a preferência do outro, podendo ainda requerer a extinção por ação de divisão ou alienação judicial, não se cogitando a nova partilha e dispensando a abertura de inventário”.

Corrente da mancomunhão

Por outro lado, a segunda corrente, conhecida por ser mais restrita, entende que na falta da partilha, a situação jurídica do imóvel é de mancomunhão, não de condomínio.

Nesse sentido, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos.

De acordo com os ensinamentos do Desembargador Francisco Loureiro:

“Distingue-se o condomínio da comunhão em sentido estrito, porque nesta “a titularidade se exerce por todos os coproprietários, ao mesmo tempo, sobre a totalidade da coisa, sem que, a priori, seja cogitada uma fração ideal. Somente quando da dissolução da comunhão pode ser apurada a parte cabível a cada proprietário” (FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo, Saraiva, 2003, v. XV, p. 170). Assim, a comunhão envolve um patrimônio, um conjunto de bens, em que não há cotas autônoma, passiveis de alienação em separado. Os comunheiros não podem dispor de sua parte nem onerá-la enquanto não se dissolver a comunhão. (LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência, coordenador Cezar Peluso, 4ª ed ver e atual. Barueri: Manole, 2008, p. 1.164” (grifei)

Logo, a divisão de partes ideais do imóvel, aos antigos cônjuges, se dá somente com a partilha, sendo, assim, necessário formalizar a partilha, e posteriormente registrá-la no Cartório de Registro de Imóveis competente para que o patrimônio comum seja transformado em condomínio.

Em outras palavras, enquanto não realizada a partilha e nada tiver sido definido a respeito no âmbito do divórcio, ainda que as partes prestem declarações a respeito, persiste a comunhão. Não é possível partir da premissa de que cada um tem determinado percentual, com conversão em condomínio.

Juristas que adotam essa corrente também sustentam que a ausência de partilha inviabiliza a transmissão das partes ideais do imóvel por violação ao princípio da continuidade registral (artigos 195 a 237 da Lei de Registros Publicos).

Jurisprudências que seguem esse entendimento:

“1. Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espéciecom um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto a incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão.

2. Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constata é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex-cônjuges, à totalidade dos bens.” (REsp nº 1.537.107/PR. Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma. DJe em 25/11/2016). (grifei)

“DÚVIDA REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de casal divorciado, sem registro de partilha – Escritura de doação feita pelo ex-marido na condição de divorciado, pretendendo a doação de sua parte ideal da propriedade à ex-cônjuge – Partilha não registrada – Necessidade de prévia partilha dos bens do casal e seu registro – Comunhão que não se convalida em condomínio tão só pelo divórcio, havendo necessidade de atribuição da propriedade exclusiva, ainda que em partes ideais, a cada um dos ex-cônjuges – Impossibilidade do ex-cônjuge dispor da parte ideal que possivelmente teria após a partilha – Ofensa ao princípio da continuidade – Exigência mantida – Recurso não provido” (APELAÇÃO CÍVEL: 1012042-66.2019.8.26.0562, Relator: Des. Ricardo Mair Anafe, DJ: 14/04/2020). (grifei)

E, ainda:

Divórcio consensual sem partilha de bens. Impossibilidade de alienação antes da partilha por não configurada propriedade em condomínio. Violação do princípio da continuidade. Inviabilidade do registro da doação da metade ideal realizada por um dos antigos cônjuges pena da violação ao princípio da continuidade Recurso provido” (Apelação Cível: 1041937-03.2019.8.26.0100 Relator Des. Pinheiro Franco). (grifei)

Em suma, para viabilizar a alienação do patrimônio comum por apenas um dos ex-cônjuges, será necessário que seja promovida a partilha, de modo a atribuir de forma individual a propriedade de 50% (cinquenta por cento) do bem a cada um deles.

E em outra hipótese, na ausência da partilha, a alienação de 50% do patrimônio comum a terceiros poderá ocorrer desde que ambos os ex-cônjuges façam parte do negócio jurídico, sendo certo que a metade remanescente ainda permanecerá em comum em nome do ex-casal.

Caso tenha ficado alguma dúvida ou queira continuar conversando comigo sobre esse assunto, não deixe de me mandar um e-mail: draanacarolinabiasi@gmail.com ou contatar por meio do perfil do Instagram Ana Carolina Biasi

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