“A idade avançada, por si só, não pressupõe a incapacidade do indivíduo de exercer todos os atos de sua vida civil, normalmente. Muito pelo contrário! Os idosos têm o direito constitucional de envelhecer com dignidade.”
Anderson Nogueira Guedes
Casamento na terceira idade: idoso de 70 anos pode escolher o regime de bens?
O Código Civil, em exceção à autonomia privada, restringiu a liberdade de escolha do regime patrimonial em algumas situações, como no caso de pessoa maior de 70 (setenta) anos.
O legislador justifica a adoção de um regime especial aos noivos da terceira idade, pois entende ser uma barreira necessária na preservação do patrimônio da pessoa idosa e na garantia de sua subsistência, protegendo-a de relacionamentos mesquinhos e interesseiros, que poderiam “se aproveitar” de um suposto estado de fragilidade e/ou vulnerabilidade para aplicar o conhecido “golpe do baú”.
Dessa forma, determina o Código Civil:
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I — das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II — da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III — de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (grifo nosso)
Tenho 60 (sessenta) anos, sou considerada idosa?
De acordo com o Estatuto da Idoso (lei nº 10.741/2003), toda pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos é considerada idosa. E em conformidade com essa disposição, o Código Civil previa a imposição do regime de separação obrigatória de bens para pessoas com essa faixa etária.
Houve, no entanto, a ampliação dessa idade para os atuais 70 (setenta) anos constantes, por meio da lei 12.344/2010, com a alteração do artigo 1.641 do Código Civil.
Estou em união estável com uma pessoa maior de 70 (setenta) anos: posso escolher o meu regime de bens?
O Superior Tribunal de Justiça — STJ já reconheceu a aplicabilidade do regime legal da separação obrigatória de bens à união estável (REsp 646.259).
Nesse sentido, tratando-se de circunstâncias claramente equiparáveis, não se deve conferir à união estável disciplina distinta do casamento, em atenção, inclusive, ao entendimento consolidado do STJ:
“não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo o regime de bens para a sociedade de fato, pois, assim, se estar-se-ia conferindo mais benefícios à união estável que ao casamento” (REsp 1.383.624/MG, 3ª Turma, DJe 12/06/2015).
Por fim, a própria Constituição Federal facilita a conversão da união estável em casamento, não sendo logicamente cabível uma regulamentação distinta para os dois institutos:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[…] § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.(grifo nosso)
Regime da separação obrigatória de bens se assemelha ao regime da separação absoluta de bens?
Existe muita confusão entre esses dois regimes. Os nomes são parecidos, porém as consequências jurídicas são diferentes.
A súmula 377 do Supremo Tribunal Federal — STF decidiu que no regime de separação legal/obrigatória, os bens adquiridos na constância do casamento (ou união estável) irão se comunicar, desde que comprovado o esforço comum para a sua aquisição (EREsp 1.623.858). Em outras palavras, o regime da separação obrigatória de bens equivale ao regime da comunhão parcial de bens.
Estamos em união estável e queremos nos casar: podemos escolher o regime de bens?
Como exceção ao artigo 1.641, II do Código Civil, o Superior Tribunal de Justiça — STJ entende que será inaplicável “a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens” (REsp 1.318.281), em conformidade com o Enunciado 261 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal
Nessas circunstâncias, o casal tem a liberdade de escolha do regime patrimonial, sobretudo nos casos em que facilmente se prova a existência da união estável, em razão da existência de filhos do casal e/ou mediante a apresentação de Escritura Pública Declaratória de União Estável ou Contrato de Convivência com firma reconhecida.
Dessa forma, na hipótese específica da união estável iniciada antes que um dos companheiros tenha completado 70 anos, portanto, sob o regime de comunhão parcial, entende-se não aplicável a regra (art. 1.641, II), pois não se pode privar os noivos dos bens que adquiriram juntos em união estável, por sobrevir casamento já na velhice.
Como funciona o pacto antenupcial ou contrato de convivência na terceira idade?
Conforme exposto acima, o objetivo da lei é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está se casando e aos interesses de sua prole.
Diante dessa justificativa, o Superior Tribunal de Justiça — STJ entende que os ditames do regime restrito e protetivo, referente ao regime da separação obrigatória de bens, não poderão ser ampliados por meio de pacto antenupcial.
No entanto, é possível que os noivos ou companheiros, em exercício da autonomia privada, firmem escritura pública para afastar a incidência da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal — STF, perfazendo um casamento ou união estável em regime de separação obrigatória com pacto antenupcial de separação de bens (ou de impedimento da comunhão do patrimônio).
Em outras palavras, admite-se que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do noivo acima de 70 (setenta) anos, preservando o espírito da Código Civil de impedir a comunhão dos bens do idoso.
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